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Chapter 2: Mudanças Perigosas

* Pov Ardena *

"Peguei-me admirando a lua

novamente em meio a escuridão, algo

nela absorvia toda a minha atenção

e isso me encantava. Era mais do que

uma simples atração, era mais forte do

que apenas isso, era sombrio. Como um

desejo enraizado no canto mais frio

e desconhecido da minha mente. Por

todas as noites, eu tinha um caso

sádico e misterioso com a Lua.

Como naquele dia, desde que abri

meus olhos pela manhã, eu soube, algo

terrível aconteceria.

A chuva caía intensamente

naquela noite em pleno inverno de

Boston, as gotas de água escorriam

rapidamente pelo vidro do carro,

dando um ar elegante ao momento

em que All I need soava no velho

rádio amarelo fosco. Uma belíssima

música, mas Within Temptation não se

adequava ao momento.

Era mórbido, como uma faísca em

chuvas de álcool, era um ponto mais

forte para o meu mau pressentimento.

— Pai, muda essa merda, vou

começar a chorar aqui! expus em

tom de brincadeira e observei pelo

retrovisor interno do carro um sorriso

se formar em seus lábios.

-Mas eu gosto dessa... Seus olhos

encontraram os meus.

— Ardena, que linguagem vulgar é

essa? Minha mãe o interrompeu em

um tom reprovador.

Para alguém como a minha mãe a

forma de se falar dizia tudo sobre

você, por isso raramente aceitava uma

linguagem coloquial da minha parte.

Sua incessante necessidade em usar a

formalidade era herança inglesa de sua

morada na Inglaterra.

- Desculpe-me, força do hábito

expliquei desinteressada.

- Pai poderia permutar para outra música

por favor, não está a meu gosto. Assim

está melhor?

— A encarei com o meu

melhor sorriso sarcástico voltando o

olhar para a lua.

Às vezes era cansativo ser filha dela.

Seguir suas regras e seus objetivos,

seus sonhos. Para ela eu era um molde

que precisava ser desenhado sobre

suas vontades e necessidades. A minha

identidade muitas vezes foi esculpida

em cima da sua. Às vezes era cansativo

até respirar o mesmo ar que ela.

Era triste, desgastante e cruel.

-Assim está bem melhor:

respondeu avançando a playlist

do aparelho de som. Seus olhos

duros varreram as estradas pouco

iluminadas pelos faróis, ela respirou

fundo e levemente seu queixo se

inclinou como um ato de dever.

E aquele era um dos momentos

mais marcantes dos nossos

desentendimentos, quando ela dizia a

si mesma que suas obrigações nobres

eram sua responsabilidade e sua

herança, e como sua filha eu precisava

saber como se portar.

-Eu gosto dessa! - concluiu

demasiadamente animada, como se

guardasse para si seus pensamentos

e suas verdadeiras expressões, se

movendo para ambos os lados, a

vergonha que ela chamava de dança. 144

- Poderia mudar novamente, também

não gosto dessa - meu tom brincalhão

preencheu o ambiente. Vi meu pai

apertar os lábios escondendo um

sorriso.

- Você está pedindo pra morrer!

zombou ele.

Ela se virou para mim e fingiu me

fuzilar com olhos, uma atitude típica

vindo dela. Se formou um silêncio e

percebi que meu pai havia desligado o

som.

- Ei! gritamos em uníssono para ele

que ainda prendia o riso.

Ela sorriu para ele, e então voltou a me

olhar. Foi de maneira diferente, um

olhar estranho, terno, como de quem

carrega culpa.

Estávamos pensando... - iniciou

ela mudando de assunto.

— Em fazermos uma visita a sua tia Meredite no próximo feriado. O que acha?- salientou sugestiva. Ela parecia

pensativa demais, como uma boa

manipuladora.

Ela se referia a sua irmã, a bruxa

velha da Meredite. Eu já tinha a visto

algumas vezes, mas o suficiente para

não gostar de sua pessoa. Meu santo

não batia com o dela. Simples assim!

Tia Meredite?! — Não fiz

questão alguma de esconder meu

descontentamento.

- Ela mora na Inglaterra, mãe! - concluí.

Não que eu não gostasse de viagens, ou

que a Europa não me agradasse, mas o

próximo feriado eu queria aproveitar

com meus amigos e o meu namorado.

E não visitando pessoas que não me

agradavam.

-Seria uma viagem divertida,

querida comentou meu pai com sua

voz macia e paciente.

- Poderíamos até levar quem sabe... - Fez uma pausa misteriosa. - O Brian.

Suas palavras me arrancaram um

sorriso contente no qual não fui

capaz de conter. Seria uma viagem romântica!

-Nesse caso, eu poderia repensar!

admiti pensativa. — Viajar para a

Inglaterra?! Me parece... -me calei.

Divertidíssima!

- Em falar em viagens, o que achou

de nosso passeio? - perguntou ele

curiosamente.

- Confesso que o Caribe é divino,

mas não resolveu o meu problema!

assegurei, sem muito entusiasmo.

- E qual seria ele? - meu pai

olhou-me brevemente.

Levei meu braço a frente expondo

minha pele pálida e avermelhada

devido ao sol.

- Não se preocupe, quem sabe ela não

volte a cor de antigamente - minha

mãe disse amigável.

Ela não se referia ao tom avermelhado,

e sim ao tom de pele que com

pouca frequência se alterava.

Misteriosamente, mudava.

- Duvido muito que essa cor de

lagartixa desapareça - zombou meu

pai acompanhando com uma risada

baixa.

Dei uma palmada em seu braço

mostrando-lhe uma careta feia.

-Calado, pai!

Minha mãe encarou minha pele e

não se conteve em dar boas risadas.

Risadas estas, que nas quais demos

muitas sobre a areia fina e clara do

Caribe. Uma viagem única! Decidida

e organizada por meu pai, que estava

constantemente ausente, preso no

trabalho. Minha mãe logo concordou,

precisava também de uma folga. Então

aproveitamos as férias de inverno para

ir. Eu estava sem aula, e só voltaria

no próximo mês. Então nós apenas

arrumamos as malas e fomos.

As memórias do passeio ainda

pairavam pela minha mente. Foi uma

das mais surpreendentes viagens que

fiz. Nos aproximou de uma forma

única. Eu tinha os meus pais de volta.

Ali e agora. Inteiramente meus.

E assim continuamos nosso caminho

de volta para casa. À gargalhadas e

risadas nos recordando dos melhores

momentos. Foi incrível até eu

adormecer ao som de suas vozes. O

cansaço me consumiu.

Aquela sensação ruim ainda pairava

sob meu peito, ainda pesava sobre a

minha cabeça, ainda condenava meus

sonhos. E ela nunca desapareceu

depois daquele dia.

Ouvi um grito distante e abri o

olhos instantaneamente, ainda me

encontrava dentro do carro, mas

diferente de antes, ele estava parado.

Onde eu estou? perguntei a

minha mesma ainda sonolenta. Não

precisei de respostas quando tudo me

pareceu familiar, as casas, as ruas e até

as pessoas. Eu estava em casa.

"Mas como havíamos chegado tão

rápido?! Eu havia dormido demais,

outra vez".

Dona Clóe passeava pela calçada com

o Pitty, seu gato preto com manchas

loiras de estimação sim, ela ainda passeava com o gato como se ele fosse

um cachorro encoleirado. Havia

coisas que não mudavam nunca. Sorri

ao ver aquela cena novamente, Dona

Clóe estava doente e não saía mais na

rua fazia dias.

O céu estava claro, apesar da chuva

de horas anteriores, mas havia algo

errado, eu não sabia dizer o que era,

mas me senti um pouco incomodada.

Levemente incomodada.

ARDENA! - minha mãe gritou

da janela arrumando as cortinas.

Acorda filha, nós já chegamos.

- É, eu percebi... sussurrei

retirando o cinto. — JÁ ESTOU INDO!

Um sorriso contente se formou em

meu rosto ao me sentir em casa. Por

poder ver Brian e o restante da galera,

principalmente, e suprir toda a falta

que sentia deles, contar todas as

novidades e entregar os presentes de

recordação. Eu mal podia esperar a

hora para isso acontecer!

E aquela sensação de ser observada

novamente me tomou. O frio na barriga e o arrepio na espinha. Olhei

em volta, mas não havia ninguém

por ali, exceto os vizinhos dispersos

em suas tarefas. Era coisa da minha

cabeça e eu sabia disso.

Peguei minha bolsa, levando minha

mão a maçaneta. Eu olhei para a

minha casa outra vez, minha mãe

ainda estava na janela, sem sorrisos

ou gritos. Ela estava lá, apenas me

olhando, como quem observa uma

paisagem.

Como quem diz adeus...

E então, ela ergueu o queixo e desviou

o olhar para algo além de mim. E

eu me virei, foi quando um barulho

ensurdecedor agrediu meus ouvidos, e

arrastou o carro para longe. Eu senti of

impacto. Minha cabeça se chocou com

o vidro da porta me deixando lenta.

Tudo se tornou um borrão de vultos,

gritos e calor. A partir dali tudo se

escureceu, literalmente."

Acordei desesperada e ofegante outra

vez, pela terceira noite consecutiva

após o acidente.

Minha casa veio a ruínas. Ela explodiu. 293

As chamas ainda penetravam em

minha mente, e arranhavam as

paredes do meu coração. Eu ainda me

lembro dos gritos, do ataque cardíaco

de Dona Clóe e os latidos dos cachorros

da vizinhança. Eu me lembro da

fumaça escura e da explosão.

Eu matei os meus pais e eu nem sabia

disso.

Eles se foram, mas eu não, por algum

motivo desconhecido, já que o carro

não havia explodido por sorte ou ter

sido arremessado para longe com a

pressão como acreditariam acontecer,

disseram que havia sido um milagre eu

ter me salvado.

Tudo dependia de ponto de visto.

Eu não via como um milagre, pelo

contrário, eu via como uma maldição.

E de certa forma, era.

A porta do quarto foi aberta

abruptamente e minha avó adentrou o

quarto ofegante.

- Querida, o que houve? - A

preocupação sondou sua voz. — O

pesadelo outra vez?- indagou ainda

ofegante.

Assenti, sem dizer uma única palavra,

não havia nada a ser dito ou que eu

quisesse dizer.

A luz da lua iluminava o quarto

naquela madrugada me permitindo

ver seu rosto. As marcas dos anos,

estampada em sua pele envelhecida.

Ela trazia uma mancha de dor, assim

como eu, que desde o acidente eu

não havia chorado nenhuma sequer

vez, nem mesmo a vontade de chorar

surgiu, eu não sentia nada. A sensação

ruim ainda se mantinha ali. Algo

dentro de mim persistia em dizer

que eu já sabia que isto aconteceria,

assombrando a mente todos os dias.

Seus braços quentes e finos me

envolveram, diluindo a raiva do meu

coração. Eu sentia segura ali, naquele

momento, entre aqueles braços.

- Vó? - Minha voz rouca de sono

soou em um sussurro desesperador.

-Sim, querida?

Hesitei em perguntar, eu não sabia ao

certo se desejava mesmo a resposta.

-Como será daqui pra frente?

Era a primeira vez que conversávamos

sobre isso. Era a primeira vez que

conversávamos sobre algo nos últimos

dias. Desde o acidente, eu não falei

muito além de "Obrigada" e "Estou

bem". É como se a minha voz morresse

também ou minha vontade de falar.

- Apenas seguiremos em frente - A

senti apertar-me mais. — Uma hora

essa dor vai embora, querida. Ela não

será eterna.

Mas foi!

Iríamos viajar semana que vem

respondi sentindo a revolta crescer em

mim.

- Eu sinto tanto, querida. Eu ainda

não acredito que é real — confessou

chorosa.

- Queria que isso fosse apenas um

pesadelo!

Eu soube que meus medos e traumas

nunca foram pesadelos, eles eram

reais.

- Eu também! - sua voz entristecida

soou baixa e acolhedora. - Mas você

-ainda pode seguir em frente. Você

pode escolher o seu futuro - ela

aliviou o aperto ao dizer.

Afastei-me um pouco para olhá-la.

Seu rosto um pouco escurecido

pela ausência de luz trazia os olhos

brilhosos de um choro contido e uma

expressão pensativa.

- O que quer dizer, vó? - indaguei

receosa.

-Poderá escolher... - hesitou antes

de dizer. - Se deseja ficar aqui comigo

e continuar a vida normalmente.

Escola, amigos, trabalho continuou.

- Ou ir morar com sua tia Meredite na

Inglaterra.

-Assustei-me com sua última

alternativa. Aquela atrocidade nem

devia ser levada em consideração.

Ir para a Inglaterra?! - Não pude

evitar o nervosismo e indignação que

pairaram pelo meu rosto.

-Sim, querida! Inglaterra

Terá uma vida diferente, longe

declarou.

-daqui... - ela dizia cabisbaixa. —

Longe disso tudo!

E eu entendia seus argumentos. Estar

ali trazia à tona todas as lembranças,

sentimentos e um turbilhão de

emoções. Era como um soco no

estômago. Como viver diariamente no

meu pesadelo. Revivendo e revivendo

aquele momento que se tornou um

memória tão sombria que escurecia

até os pontos mais lúcidos da minha

alma. Eu me sentia morrer lenta e

dolorosamente.

Eu não sei o que fazer. Ela devia

estar aqui, devia me dizer o que

fazer, eles não tinham o direito de me

abandonar e me deixar com um peso

que eu não consigo carregar.

E eu desabei em choro, soluços,

desespero e destruição. E porque pela

primeira vez na vida eu não tinha

mais ninguém que me mantivesse em

pé, e isso era aterrorizador. Os meus

pais eram os meus alicerces, os meus

pilares, e por vezes eram tudo o que

eu tinha. E eles se foram, então eu não

tinha mais nada, além de duas lápides

e um milhão de lembranças boas que

foram massacradas por um momento

ruim.

Ela me abraçou tão forte que eu senti

que queria juntar todos os meus

cacos espalhados pelo chão e me

deixar inteira outra vez. Isso não era

possível, não aconteceu, mas ela não

permitiu que mais nenhum pedaço

meu se partisse. E isso era tudo o que

precisava naquele momento. Era o

mínimo para me manter viva.

Você vai ficar bem! Leve o tempo

que levar - garantiu. — E quando

passar, você poderá ser feliz de novo

e nunca mais precisará sentir essa dor

outra vez.

Ela não devia ter me dito aquilo.

Porque eu acreditei que nunca mais

sentiria uma dor como aquela.

Mas eu senti.

Muitas e muitas vezes.

Não tem que decidir nada agora,

está bem?! - ela se levantou da cama.

E no fundo eu sabia que eu não a

deixaria porque ela precisava de mim,

e sim porque eu não suportaria perder

mais ninguém.

- Boa noite, querida — senti seus

lábios em minha testa e vi seu vulto

passando pela a porta.

Boa noite, vovó sussurrei.

- Você é mais forte do imagina,

Ardena - Sua voz soou firme em meio

a escuridão. Muito mais!

- Eu não vou, vovó. Não a

abandonarei, prometo! - garanti

sendo retribuída por um sorriso fraco.

Eu não entendi exatamente o que ela

queria me dizer, mas me serviu de apoio. Eu precisava me sentir forte.

Ir para a Inglaterra era um ideia tão

distante que nem devia ser levada em

conta. Eu não poderia deixar tudo para

trás...

Mas um parte minha se questionava:

"Poderia?!".

"Não! Eu não podia e não iria. A minha

vida era aquela, e nada, nem ninguém

mudaria isso. Perder meus pais abriu

um vazio gigantesco em mim". E então

uma sensação me tomou, assustei-me,

mas de alguma forma eu já sabia que

era só o começo.

Deitei minha cabeça no travesseiro e

me recusei a pensar em algo além das

pessoas que me restavam. Tudo estava

me sufocando e eu só precisava mudar

o foco. Nem que por cinco minutos.

Então eu me foquei no meu namorado.

resmunguei. -Ah, Brian...preciso de você.

Foi como um pedido a Deus, uma

suplica para que ele estivesse ali.

Adormeci com as lembranças do meu melhor amigo e amante, talvez eu só

precisasse focar nele para que toda a

dor fosse embora.

De certa forma ele era tudo o que me

restava. E eu escolhi acreditar que no

dia seguinte as coisas melhorariam,

não que eu realmente acreditasse

nisso, mas eu tinha que tentar.

- Amanhã será outro dia, amanhã...

E aquela foi a primeira vez que percebi

que a minha vida era um efeito

dominó, uma peça desencadeava uma

destruição em massa. Ou seja, um

conjunto de escolhas e... Mudanças

perigosas!


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